Rua do Saco

Março 05 2010

Um dia, um meu grande amigo, silvense como eu, contava-me, rindo, que alguém tinha defendido a ideia peregrina de ser instalado um teleférico que ligasse a ponte romana ao castelo.

E explicava, entre risadas, que o fundamento de tão bizarra ideia era permitir que os turistas utilizassem esse meio de transporte para visitar aquele monumento, evitando a penosa escalada da encosta em que se aconchegou a nossa cidade.

Fiquei a pensar.

Afinal o meu amigo ria de quê?

Nunca fui um bom turista, e viajar não é certamente uma das minhas preferências (a menos, claro, que se trate de um cruzeiro à vela, que faço, com muita pena, cada vez menos). Mas enquanto trabalhei, tive que viajar por imposição da minha actividade profissional, e tive oportunidade de visitar muitas cidades históricas tão antigas como ou mais antigas que Silves. Não recordo ter ficado em nenhuma delas com a incómoda e amarga impressão de estar num lugar abandonado, feito de ruínas e desleixo (veja-se o estado em que ficaram muitos dos pavimentos, levantados pela passagem do Polis(*)), que se tem em algumas ruas da parte antiga da minha cidade.

Em quase todas as cidades que referi, vivem pessoas e existe vida nos centros históricos, mesmo naquelas em que as subidas são mais íngremes e penosas que na nossa cidade.

Porquê?

Porque foram criadas condições para que tal acontecesse!

Claro que não defendo a solução teleférico para Silves.

Mas também não defendo que se coloquem bonecos em tamanho natural nas janelas das casas e nas ruas da nossa zona histórica para fingir que mora lá alguém.

É que, quer se goste quer não, a mobilidade é hoje uma necessidade que tem que ser satisfeita, e o automóvel vai tardar em ser banido (ou substituído) da nossa civilização.

As pessoas que ainda vivem naquela zona (ressalvando algumas muito poucas excepções) são de avançada idade, restos de uma civilização de proximidade, quiçá mais humana, mas que pertence ao passado.

Os seus pais (e em alguns casos, talvez, eles próprios) abasteciam-se “à do” Diogo Gordinho e em muitas outras vendas e mercearias que havia por toda a parte. Compravam fiado (mandavam apontar) todos os dias aos 125 gr. de massa, arroz, ou ao “meio quartilho” de feijão ou grão.

Os sobreviventes, actualmente, têm que comprar nos supermercados, pagar a pronto, em embalagens de maior peso e têm que subir toda a cidade carregando as suas compras.

Claro que não defendo o teleférico. Mas há outras soluções que um estudo aprofundado certamente poderá aconselhar.

É a todos os títulos desejável que os visitantes desçam a cidade a pé. Que comprem nas lojas e que tomem o seu capuccino (!) nos cafés da Cidade. Mas é preciso anular a desmotivação que a subida pode causar.

Sem adequada mobilidade, e sem um eficaz programa de apoio e incentivos à recuperação dos imóveis (dizem os economistas que é geradora de empregos (**) sem importações) e à fixação das novas gerações (o que inclui circulação automóvel e estacionamento, ainda que condicionados, organizados e civicamente disciplinados), é bem melhor que se comecem a encomendar os bonecos.

(*): Um dia, por ocasião de um dos meus passeios na zona histórica, fui abordado por um grupo de visitantes estrangeiros (não gosto de lhes chamar turistas). Perguntaram-me se tinha havido recentemente algum terramoto na região. Não me apercebi de qualquer intuito de fazer humor de mau gosto ou sarcasmo. Pelo contrário, havia na forma como me foi posta a pergunta um pelo menos aparente sincero misto de curiosidade e de solidariedade.

(**): Entendidos como postos de realização efectiva de trabalho, não como mero cumprimento de horários.

·        P.S.: Sem prejuízo de soluções mais sofisticadas, porque não um pequeno “comboio” (dos que se vêem em muitas cidades e vilas do Algarve e até no próprio Concelho), ou um Minibus fazendo um percurso com subida pelo lado nascente (Cruz de Portugal, Encalhe, Rua do Castelo, Largo Correia Lobo) e descida pelo lado poente (Rua da Porta da Azoia, Rua D. Afonso III), e fechando o trajecto pela Avenida Marginal? Ou talvez mesmo integrando passagens pelo Enxerim e pela Estação?

 

 

 

publicado por jpargana às 23:10

Janeiro 27 2010

Eu tive um sonho.

Sonhei que um dia veria o meu rio sempre com água.

Sonhei que veria barcos amarrados ao cais, e vida no Arade.

Sonhei que a ponte romana tinha sido pintada e dotada de iluminação cénica (Polis, Plano Estratégico, pag 6). E que as escadarias do cais eram, de vez em quando, lavadas (ou pelo menos, mangueiradas).

Sonhei que, a partir da Primavera, pelo menos um dia por semana, veria o passeio ribeirinho de Silves e a ponte romana com pequenas tendas de artesanato e artistas a pintar ou a vender as suas obras. Ou com pequenos mercados temáticos (frutos secos? Flores? Citrinos? Doces e produtos regionais?).

E que Silves era por isso conhecida em todo o Algarve. Que de todo o Algarve vinha gente.

Sonhei que Silves não tinha para oferecer apenas uma feira medieval, de sucesso garantido, mas igual à que pode ser vista em qualquer vila ou cidade do País.

E que veria as esplanadas da baixa de Silves cheias de gente. Gente da terra. E visitantes, a lanchar e a descansar do passeio pela zona histórica, ou a fazer tempo para o barco de regresso.

Sonhei que todas as ruas do centro histórico tinham sido dignificadas, e que na sequência de uma adequada e eficaz política, a antiga Almedina tinha condições para a fixação e vida das famílias. E que já não haviam casas em ruínas.

Sonhei tudo isso. E sonharei muito mais. Enquanto não for proibido.

 

publicado por jpargana às 12:24

Este blog é uma colectânea de reflexões do autor sobre temas de interesse geral e da sociedade e ambiente que o rodeiam.
mais sobre mim
Julho 2013
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
18
19
20

21
23
24
25
26
27

28
29
30
31


links
pesquisar
 
subscrever feeds
blogs SAPO