Rua do Saco

Janeiro 07 2011

Custa-me ver a campanha eleitoral para a Presidência da República convertida numa mera “campanha do vale tudo”.

 

Acho que os candidatos deviam ter a preocupação de manter um nível mínimo de dignidade na sua postura, nos seus argumentos, nas suas atitudes, e que deviam transmitir essa preocupação aos seus mandatários, seguidores e apoiantes.

 

É vulgar ouvir os candidatos fazerem profissões de fé, assegurando que o importante é debater ideias e princípios, evitando os ataques pessoais.

 

Concordo em absoluto!

 

Acho, no entanto, que o passado dos candidatos não pode ser ignorado quando está em causa a eleição para Chefe do Estado.

 

Estou consciente de que ter sido refractário ou desertor constitui, neste Portugal democrático, um atributo e um argumento a favor de uma carreira política de sucesso.

 

Vem isto a propósito de ter ouvido na televisão o candidato Alegre afirmar que a sua vida é cristalina, transparente, sem segredos.

 

Ainda bem!

 

Não gosto de falar do que não sei, e muito menos de acusar alguém sem provas. Mas há factos que são do domínio público, e que não são desmentidos pelo interessado.

 

O candidato Alegre não foi refractário nem desertor. Isso ele já esclareceu. Que esteve preso durante o seu serviço militar parece também ser um facto. Convinha que se esclarecesse por que causas e em que circunstâncias, assim como as circunstâncias que envolveram a sua passagem à disponibilidade.

 

Mas onde não há dúvidas é que depois disso, se pôs ao serviço do inimigo dos seus compatriotas.

 

Traiu os seus!

 

Não foi refractário. Não foi desertor. Foi traidor!

 

E não há nada mais vil que a traição!

 

Em que País é possível que um traidor se arrogue a pretensão de vir a ser Chefe do Estado e Chefe Supremo das Forças Armadas?

 

Chegou a tanto a nossa crise de valores?

 

A candidatura do candidato Alegre é uma afronta a toda uma geração que, certamente com dúvidas, mas com generosidade e com honra, pôs os melhores anos da sua juventude ao serviço da sua Pátria!

 

A candidatura do candidato Alegre é um insulto à memória dos que não regressaram!

 

O agora candidato, terá feito, à época, a opção que a sua consciência ditou. Foi a sua opção. Mas essa opção retira-lhe o fundamento moral para esta candidatura.

 

O Povo é sábio.

 

Eu confio no Povo.

 

Eu tenho fé que o Povo, a que pertencem os que ele traiu, lhe dê uma humilhante derrota!

publicado por jpargana às 22:54

Maio 20 2010

82 TempoLivre | OUT 2008 Crónica de Fernando Dacosta

 

Seres decentes

 

Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si

 

O texto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber.

 

Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira.

 

O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor. Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros.

 

Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro.

 

Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados.

 

As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social.

 

Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!»

 

O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta, de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos.

 

“A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das utopias de outrora”.

 

Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros.

 

“Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, liderando”.

 

O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos) ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética.

 

Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes.

 

Transcrição com a devida vénia e gratidão ao autor, um abraço ao amigo Alfredo Figueiras dos Santos, e alguma emoção.

 

publicado por jpargana às 11:09

Este blog é uma colectânea de reflexões do autor sobre temas de interesse geral e da sociedade e ambiente que o rodeiam.
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