Rua do Saco

Junho 01 2010

Parabéns, Armação de Pêra

 

Finalmente, Armação de Pêra tem uma frente marítima à sua altura!

 

À altura do seu passado e virada para o seu futuro!

 

Podemos discutir e discordar aqui e ali (não faltará quem) com algumas opções quanto à escolha de alguns elementos do mobiliário urbano (sobre gostos não há nada escrito nem regulamentado), mas julgo que o resultado global é francamente positivo.

 

Certamente por defeito meu e da minha dificuldade em seguir cegamente o que é predominante ou politicamente correcto, nunca subscrevi a opinião, tão em moda, de que Armação de Pêra é um mamarracho urbanístico sem remédio, ou com uma única solução: uma bomba atómica e reconstruir!

 

Não é nada disso!

 

Armação de Pêra é o que é! Quem goste, que dela disfrute! Quem não goste, vá embora e não volte, se não quiser.

 

Conheço Armação de Pêra antes de me conhecer a mim. Mas desde que a conheço que a amo.

 

Os barcos, muitos, partiam à vela, todos, ao fim da tarde. Regressavam de manhã, cedo, também à vela. As famílias de banhistas iam ajudar a varar os barcos na praia e iam depois assistir à lota, ao som do leiloeiro (não estou certo de como se chamava, mas julgo que se chamava Serol) que cantava a contagem decrescente do preço, até que alguém gritava a arrematar: “-Xui! Pêxe é méu!”.

 

O meu pai, de vez em quando, comprava na lota as moreias que, depois de amanhadas, armadas com canas, eram postas a secar e se comiam fritas a queimar os lábios e a estalar, e as abróteas que eram arripiadas, para se comerem cozidas no dia seguinte, a desmanchar-se em lascas, e mais o peixe de escama, sargos, safias e douradas (de mar).

 

Foi lá que velejei pela primeira vez. Naquelas canoas com vela latina (ou árabe) que se vêem hoje só em fotos de época, e que voltei a ver no Norte de Moçambique quando lá servi em missão de soberania. E nos botes de espicha, que devem o seu nome à vela na qual foi inspirada a vela dos Optimist em que as minhas netas aprendem a velejar.

 

Toldos, eram só uma ou duas filas com algumas barracas, a nascente da Fortaleza (sei que antes, estavam entre a Fortaleza e o “chalet” tendo passado para nascente por o mar ter desareado essa zona, deixando as rochas do fundo à vista), até aos barcos de pesca, com duas ou três dezenas de famílias, maioritariamente silvenses e alentejanas. Para lá da fortaleza apenas algumas famílias: Caldas de Almeida, Bentes, Vilarinho, Vasconcelos, Figueiras, Figueiredo Mascarenhas, Leite e algumas poucas mais que me perdoem não recordar.

 

O banheiro tinha nome: era o Sr. Bento, que todos os dias armava os toldos, lhes mudava a inclinação ao meio dia, e os fechava à tarde. Nos dias de muito vento, o Sr. Bento montava os toldos na vertical, para conforto dos veraneantes. Era uma figura muito respeitada por toda a comunidade.

 

Longe, e desertos, eram os Adoches (Maré Grande ou Vale do Olival) e a Pedra da Galé. Para lá, a pé, só na baixa-mar das marés vivas, até à Praia dos Beijinhos, sempre deserta.

 

Armação era “a aldeia” e para lá da fortaleza e do “chalet” e das vivendas Maria Albertina e Maria Alice, haviam o “castelinho”e algumas casas, e tudo terminava na casa da família Figueiredo Mascarenhas. Depois, já isolada, foi construída a casa da família Horta Correia, um pouco para lá de onde hoje se situa o Casino.

 

Aí (ou onde foi construído o mini golfe?) havia três poços antigos e já nessa época sem uso.

 

A Avenida ainda não existia. Era uma estrada. Do outro lado, vinhas velhas.

 

Quase em frente da casa da família Figueiredo Mascarenhas, uma ruína do que terá sido um depósito ou silo (de que penso ainda existirem vestígios), que a lenda dizia ter sido um esconderijo do Remexido.

 

Ainda parece que consigo sentir o cheiro do alcatrão no estaleiro do Sr. Costa, onde íamos brincar e ver talhar a golpes de enxó as tábuas com que eram construídos os barcos.

 

Íamos cedo para a praia. Tomávamos banho muito cedo e depois, íamos buscar a batata doce cozida à venda da esquina em frente do Serol (na mesma tasca onde mais tarde, já na adolescência, íamos cear as pombas que caçávamos nas furnas, e que eram cozinhadas pelo Salvador Patrício, detentor de um segredo para tirar o sabor a peixe daquelas aves).

 

Comíamos as batatas doces deitados nas toalhas enquanto tomávamos o nosso banho de sol.

 

Depois, mais um banho e ala para casa, para almoçar e dormir a folga.

 

Mais tarde, já mais crescidinhos, íamos a nadar até às traineiras e galeões que fundeavam na baía, onde por vezes os pescadores nos convidavam a partilhar da sua caldeirada (só de peixe bom e fresco) que amanhavam nas mesmas bacias em que lavavam a cara. Quando isso acontecia, vinham trazer-nos a terra, de bote, por causa da digestão.

 

Ainda entrei no Casino velho, mas só vim a dançar na Palhota.

 

Ajudei a D. Elisa Gomes nas quermesses da festa da Nossa Senhora dos Aflitos, na angariação de fundos com que construiu a Igreja.

 

Vi construir o Casino, vivi a sua ascensão e assisti à sua queda.

 

Vi a teimosia do casal Oliveira Santos construir o Hotel do Garbe e vi Armação de Pêra ser posta no mapa.

 

Vi-a crescer e cresci com ela. Com uma diferença: eu envelheci; ela não. Está mais moderna, mais bonita, tem futuro.

 

E isso é para mim motivo de grande alegria!

publicado por jpargana às 16:53

Este blog é uma colectânea de reflexões do autor sobre temas de interesse geral e da sociedade e ambiente que o rodeiam.
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