Rua do Saco

Maio 20 2010

82 TempoLivre | OUT 2008 Crónica de Fernando Dacosta

 

Seres decentes

 

Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si

 

O texto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber.

 

Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira.

 

O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor. Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros.

 

Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro.

 

Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados.

 

As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social.

 

Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!»

 

O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta, de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos.

 

“A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das utopias de outrora”.

 

Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros.

 

“Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, liderando”.

 

O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos) ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética.

 

Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes.

 

Transcrição com a devida vénia e gratidão ao autor, um abraço ao amigo Alfredo Figueiras dos Santos, e alguma emoção.

 

publicado por jpargana às 11:09

Maio 15 2010

Sempre gostei muito do Figo.

 

Exceptuando uma birra (?) que julgo que ficou mal explicada (o que talvez ateste o estilo de sobriedade e discrição do jogador), quando declarou não mais jogar na Selecção, voltando depois atrás com essa decisão, considerei-o sempre uma figura de referência naquela Indústria.

 

Uma postura discreta, serena, carismática, que se afirmou como exemplo para os mais jovens, Capitão indiscutível de uma Selecção de grandes valores.

Isso, a par de uma vida pessoal e familiar que soube sempre proteger de forma exemplar.

 

Considerei-o sempre uma figura que dignificava a sua profissão.

 

Os adeptos do Barcelona chamaram-lhe “pesetero” aquando da sua transferência (julgo que a mais cara, ou das mais caras, até então) para o Real Madrid.

 

Não acho que tenham razão. É um negócio normal naquela indústria. Ele e a sua organização têm o dever de fazer o melhor e de ganhar o mais possível numa profissão necessáriamente efémera.

 

Mas com dignidade. Com jogo limpo. Sem batota.

 

Por favor: esperar que alguém acredite que o pequeno-almoço com um candidato a Primeiro-ministro, na véspera das eleições, rodeado de comunicação social, se deveu a uma atitude pessoal e generosa e a uma feliz coincidência, e não a uma contrapartida “por debaixo da mesa” ?!?

 

É, de facto, obsceno.

 

Não havia necessidade!

publicado por jpargana às 15:00

Maio 15 2010

Não tenham pena do Rui!

 

Ele sabia que isso de ser Administrador da Portugal Telecom aos trinta e poucos anos, com uma carreira meteórica de ultrapassagem de muitas outras pessoas muito mais capazes, experientes e qualificadas, tinha um preço.

 

Não era de borla. E ele devia sabê-lo. Devia saber ao que ia. É o mínimo que ele tinha que saber.

 

Não tem que queixar-se.

 

O papel do “boy” é servir o seu “Boss” sem hesitações e em todas as situações, e, se algo correr mal, pôr a cabeça no cepo, protegendo-O e sacrificando-se em Seu lugar.

 

São essas as regras. É esse o preço.

 

Mas não tem que queixar-se por outras razões:

 

Será julgado? E será condenado?

 

A ver vamos.

 

Seja como for, o pé-de-meia que encaixou em remunerações e bónus durante o período em que foi Administrador (sabe-se lá como) em várias empresas participadas pelo Estado (certamente muito mais do que alguma vez pode ter imaginado), permite-lhe encarar o futuro com optimismo.

 

Com muito mais optimismo, certamente, do que se tivesse que fazer uma carreira a pulso, baseada no reconhecimento da sua competência e do seu mérito profissional.

 

Valeu a pena.

 

Como diria aquele pescador de Alvôr:”- A pesca dele tá fêta!”

 

E depois, daqui a algum tempo, quando a poeira assentar, aparecerá emboscado no Conselho de Administração de alguma outra empresa pública ou de capitais maioritariamente públicos ou onde o Estado tenha alguma golden share ou outra forma de controlo (vide o seu colega João Carlos Silva, depois da brilhante presidência da RTP. Quantos mais haverá?).

 

Não tenham pena do Rui!

 

.

publicado por jpargana às 13:08

Este blog é uma colectânea de reflexões do autor sobre temas de interesse geral e da sociedade e ambiente que o rodeiam.
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